Dez anos depois do escândalo da Máfia do Câncer, hospital volta às manchetes por deixar doentes ao Deus-dará

Prestes a completar uma década em 19 de março, o escândalo da Máfia do Câncer, revelado pela Operação Sangue Frio em 2013, faz aniversário com o HCCA (Hospital do Câncer Alfredo Abrão) de volta às manchetes dos jornais. Desta vez, a greve na unidade hospitalar deixa pacientes oncológicos ao Deus-dará.

Apontando que falta R$ 770 mil para fechar as contas a cada mês, o hospital suspendeu desde o dia 22 o atendimento para novos pacientes. Considerando a média de 60 pessoas por dia, a semana fechou com 180 pacientes sem atendimento. Mas não há número capaz de mensurar a apreensão de quem foi diagnosticado com câncer e sabe que quanto mais rápido começar o tratamento maior é a chance de sucesso. A unidade responde por 70% dos atendimentos oncológicos no Estado.

Parte dessas dores foram relatadas nos jornais, como o relato do jornalista Alysson Maruyama, da TV Morena, que fez reportagem sobre a greve e entrevistou o próprio pai, Mário Maruyama. Num quadro comovente, diante da falta de injeção para que o pai dê continuidade a tratamento no hospital, ele o abraçou.

“Essa situação toda preocupa muito porque o que a gente mais escuta ao longo do tratamento é que o câncer é uma doença que não espera. Cada dia conta bastante. Hoje era para o meu pai tomar a injeção de hormonioterapia, que faz parte do tratamento dele. Só que está semana, a gente recebeu essa mensagem pelo celular do hospital informando que a injeção que estava marcada foi desmarcada, porque a medicação acabou aqui no hospital e não há prazo pra reposição. Diante da situação a gente tem que respirar fundo, não é pai? Tem que aguardar e não pode desistir”, disse o repórter.

Alysson abraça o pai durante reportagem sobre crise no Hospital do Câncer. (Foto: Maxsandro Martins)

Se aos familiares resta pouco a fazer, o poder público, que segue injetando dinheiro em um hospital que não atende 100% SUS (Sistema Único de Saúde), não parece muito preocupado e só sabe marcar rodadas e rodadas de reuniões. O HCCA é uma entidade privada filantrópica.

Para o médico Ronaldo Costa, não se pode mais deixar os pacientes sujeitos as negociações entre o setor privado e o poder público. “Politica para tratamento de câncer tem que ser pública, estão usando o orçamento público para entregar ao setor privado. As pessoas que não têm condições de pagar pelo tratamento ficam em situação de calamidade enquanto o câncer avança. As pessoas estão à mercê da chantagem, para tirar dinheiro aumentando os repasses públicos. Não seria melhor o Estado retomar a administração do Hospital do Câncer ?”, questionou o clinico geral em entrevista ao Campo Grande News.

A possibilidade já foi rechaçada pelo governador Eduardo Riedel (PSDB). Para ele, o Governo ajudou a construir novos pavimentos e repassa recursos. Representante da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), Rosana Leite declarou que a revisão contratual é feita a cada ano, desconfiou do número de 60 pacientes novos por dia e disse que auditorias encontraram inconsistências.

A Sangue Frio

No dia 19 de março de 2013, a operação a PF (Polícia Federal) foi às ruas na Operação Sangue Frio. As equipes apreenderam documentos no Hospital do Câncer, no HU (Hospital Universitário) de Campo Grande e na casa do médico Adalberto Abrão Siufi, que dirigia o HCCA e era dono de clínica de radioterapia.

A investigação identificou desmonte da rede pública para privilegiar a rede privada no tratamento do câncer. A força-tarefa buscava entender por que os serviços de radioterapia oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) eram fornecidos apenas pelo setor privado. “É um monopólio, uma máfia. É difícil crer que os órgãos municipais ou estaduais não funcionem e só os particulares, já que a mesma pessoa controlava os dois”, afirmou o então superintendente da PF, Edgar Paulo Marcon.

Com os setores de oncologia dos hospitais públicos sendo desmontados, equipamentos pagos com dinheiro público foram deslocados para o Hospital do Câncer, que oferece tanto atendimento pelo SUS quanto particular.

O escândalo foi tamanho que famílias enlutadas procuraram o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) com uma dúvida terrível: será que pacientes morreram vítimas da doença ou atendimento inadequado?

Divulgação de escutas telefônicas lançaram dúvida sobre a qualidade do atendimento. Numa delas, a farmacêutica aparece trocando remédio receitado pela médica por um mais barato, a pedido da diretora administrativa na época. Em um dos diálogos gravados pela Polícia Federal, a farmacêutica diz: “Estou com uma prescrição aqui de um paciente do CTI, que a médica passou um antifúngico pra ele”. A diretora responde: “É caro pra cacete esse negócio. Nem f…, desculpa o termo. Tá?”. A farmacêutica diz: “Essa doutora que passa essas coisas cabulosa. Na hora que eu vi o preço, eu falei ‘Não’”.

Em maio de 2013, voluntário fizeram uma faxina no Hospital do Câncer, um ato público com limpeza e pintura para dar nova cara ao local, literalmente limpando a imagem da unidade hospitalar. Do lado de dentro, houve mudança de gestão. Dez anos depois, a crise voltou a assombrar os pacientes.

Patinando – No ano passado, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, ratificou a decisão da Justiça Federal, que recebeu a ação por improbidade administrativa contra os integrantes da Máfia do Câncer. O ex-presidente do Hospital Alfredo Abrão, Adalberto Abrão Siufi, é um dos réus que pode ser condenado a devolver R$ 102,7 milhões aos cofres públicos.

No entanto, a ação tem patinado na Justiça. Magistrados passaram mais tempo discutindo de quem seria a competência do que julgando os denunciados pelo desvio na verba destinada ao tratamento de doentes com câncer.

Fonte: O Jacaré

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