Beto vê “blindagem” e “forças ocultas” dificultando trabalho da CPMI do INSS
Com prazo para ser concluída até o dia 28 de março de 2026, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) completou 45 dias de trabalhos, já que foi iniciada no dia 20 de agosto deste ano, e, nesse período, ouviu 12 depoimentos, revelando como funcionava o esquema e buscando encontrar o caminho do dinheiro desviado dos aposentados e pensionistas.
Conforme balanço feito ao Correio do Estado pelo único membro titular de Mato Grosso do Sul da CPMI do INSS, deputado federal Beto Pereira (PSDB), o rombo de R$ 6,3 bilhões de aposentadorias e pensões entre 2019 e 2024 foi realizado por uma megaorganização criminosa.
Ele citou que a quadrilha era formada por presidentes de sindicatos e associações, muitos ligados e até com grau parentesco com pessoas do primeiro e segundo escalões que ocupavam cargos de direção no INSS e no Ministério da Previdência Social, lobistas que circulavam pelo Congresso Nacional em busca da liberação para empresas poderem fazer descontos.
O dinheiro desviado era usado para a compra de mansões e carros de luxo e havia a participação de escritórios de advocacia, construtoras e até hotéis, usados como laranjas para a ocultação de bens.
Além disso, Beto Pereira completou que a CPMI do INSS passou a enfrentar resistência do Supremo Tribunal Federal (STF), que já concedeu sete habeas corpus aos convocados para ficarem em “absoluto silêncio”.
Nas últimas duas sessões, os depoentes beneficiados foram o empresário Fernando dos Santos Andrade Cavalcanti, ex-sócio do advogado Nelson Wilians, e o presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi), Milton Baptista de Souza Filho, entidade ligada a José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Hoje, conforme o parlamentar, será a vez de a CPMI ouvir o ex-presidente do INSS Alessandro Antonio Stefanutto, demitido por Lula após operação da Polícia Federal (PF).
Qual o balanço que o senhor faz desses 45 dias de trabalho da CPMI do INSS?
Essa etapa da CPMI está ouvindo todos os presidentes de associações ou sindicatos que realizam os descontos aos aposentados e pensionistas, além de pessoas ligadas ao INSS e ao Ministério da Previdência. O que se pode afirmar é que havia uma megaoperação formada por empresas, que faziam os descontos, lobistas, que buscavam a autorização para que as empresas pudessem operar, e empresas laranjas, que ocultavam o dinheiro desviado.
A cada depoimento, fica evidente que a organização não tinha pudor nem medo, tanto que, de 2023 para cá, mais de 100 empresas, a maioria recém-criadas, tinham apenas um objetivo: realizar descontos sem autorização. Estamos diante de apenas 15% do tamanho do rombo.
Como era a ostentação financeira dessa organização criminosa?
A ostentação e estar ao lado do poder fizeram muitos dos envolvidos aparecerem pela vida que viviam em Brasília. Por isso, temos certeza de que o que fez a “casa cair” para esse grupo era o prazer ostentar. Viviam em mansões, promoviam festas e gostavam de carros de luxo, inclusive, a Polícia Federal já apreendeu uma Ferrari e a réplica de um carro de F1. Nesse sentido, a CPMI solicitou 21 pedidos de prisões e quebras de sigilos bancários.
Entre os que o Supremo autorizou a prisão está o empresário Antônio Carlos Camilo Antunes, mais conhecido como Careca da INSS, entretanto, o ministro André Mendonça, do STF, deixou facultada a ida dele, mas, após a ameaça de convocarmos a esposa e filhos do principal acusado pelo esquema de desvio, ele optou por comparecer à sessão.
Por falar no Careca do INSS, ele é um exemplo de ostentação do recurso desviado, afinal, comprou à vista um prédio de R$ 4 milhões. Como o senhor avalia essas movimentações vultosas em dinheiro?
Fui um dos primeiros membros da comissão a requisitar a convocação do senhor Antônio Carlos Camilo Antunes e também solicitei a quebra de sigilo bancário. Essas transações indicam que o grupo atuava de maneira audaciosa, sem receios. Eles viviam em alto luxo, morando em mansões, tinham automóveis de alto valor e exibiam ostentação. É fundamental não apenas responsabilizá-los penalmente, mas também recuperar os bens e ressarcir o Estado pelos danos causados.
Na mesma linha, o advogado Nelson Wilians tem uma coleção de carros de luxo, incluindo um Rolls-Royce e uma adega milionária. O senhor acredita que isso é tudo fruto de trabalho ou esquema de desvios?
A CPMI está comprometida em esclarecer todos os envolvidos nesse escândalo. O escritório de Nelson Wilians, que já apresenta uma rede de conexões com as partes implicadas, já teve um pedido de prisão solicitado, que está sob análise do Supremo Tribunal [Federal]. Estamos diligentemente trabalhando para juntar as peças desse complexo quebra-cabeça. Já ouvimos o empresário Fernando Cavalcanti, ex-sócio de Wilians, e solicitamos o depoimento de Wilmara Lourenço, outra ex-sócia.
Como o senhor vê o governo federal trabalhando para não ter a convocação do irmão do presidente Lula para depor?
É fato que tem acontecido “blindagem” e “forças ocultas” têm buscado dificultar o trabalho da comissão. Nós estamos para apurar responsabilidades, separar os envolvidos. A CPMI precisa ser soberana. Não pode estar subordinada nem a juiz nem a ministro. Ela tem o próprio mandamento legal. Cada parlamentar está na função de interrogador: a partir do momento em que a testemunha se recusa a falar ou está assegurado o direito de ficar calada, pode ser criado um juízo de valor sobre os fatos. Porém, a CPMI tem seguido o procedimento adequado, ao convocar os presidentes de sindicatos e representantes das mais de 100 empresas que realizavam descontos. Um exemplo é o Sindnapi, em que foram constatados mais de 294 mil descontos, totalizando aproximadamente R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024. Recentemente, a Polícia Federal realizou uma operação contra o sindicato, estamos falando de uma das três entidades que mais lesaram aposentados e pensionistas. É bem possível que outros membros da diretoria sejam chamados a prestar esclarecimentos. Quanto ao Frei Chico, irmão do Lula, é crucial investigar seu envolvimento na entidade, especialmente em relação ao volume de recursos levantados pagos a diversos serviços, como empresas de informática, escritórios de advocacia e até decoração.
A blindagem aos nomes estamos enfrentando desde início da CPMI – o STF já concedeu sete habeas corpus às testemunhas. O que temos a lamentar, já que cada parlamentar atua como interrogador e, toda vez em que a pessoa deixar de falar, podemos criar juízo de valor.
Na avaliação do senhor, quais são os pilares desta CPMI?
A CPMI deve se concentrar em três pilares: o primeiro, aprimorar a legislação para proibir qualquer desconto na folha de pagamento; o segundo, responsabilizar todos os envolvidos na fraude, incluindo aqueles que se beneficiaram; e o terceiro, investigar as empresas implicadas e buscar o ressarcimento dos valores desviados. Não podemos arcar novamente com essa conta, especialmente com o ressarcimento acelerado do governo sem a devida responsabilização.
O que a população de Mato Grosso do Sul e do resto do Brasil pode esperar da CPMI do INSS?
Estamos avançando para encerrar os descontos associativos que eram retirados diretamente da folha salarial. Um passo importante foi dado no mês passado, quando a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei nº 1.546/2024, de autoria do deputado Murilo Galdino [Republicanos-PB], que trata dos descontos ilegais cobrados de aposentados e pensionistas. É imprescindível que o INSS não atue como intermediário em relações privadas entre beneficiários e sindicatos.
Para finalizar, o governo federal está pagando os aposentados com o dinheiro do Tesouro Nacional. É justo para o pagador de impostos ser responsabilizado por esses fraudadores?
Qualquer aposentado ou pensionista que deseje se associar a um sindicato deve fazê-lo diretamente, preferencialmente de forma presencial. O governo está utilizando recursos do Tesouro para pagar as pessoas lesadas. O ressarcimento é o mínimo que o governo deve oferecer. No entanto, não podemos pagar essa conta bilionária, especialmente de maneira acelerada, sem que as vítimas tenham o direito de buscar reparação na Justiça. O que está acontecendo atualmente é insatisfatório: a proposta é que a pessoa aceite ou não tenha qualquer outro acordo, o que é completamente errado na minha opinião.
Fonte: Correio do Estado – https://correiodoestado.com.br/politica/beto-ve-blindagem-e-forcas-ocultas-dificultando-trabalho/455829/