Decisão de Moraes sobre Zambelli abre nova crise entre Poderes

Caso Zambelli gera embate sobre quem tem legitimidade para cassar parlamentares. Anteriormente, tensão foi sobre o afastamento de ministros/Foto: Douglas Gomes / Presidência da Câmara dos Deputados

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou decisão da Câmara dos Deputados e determinou a perda imediata do mandato de Carla Zambelli (PL-SP), abriu mais um capítulo na crise institucional entre o Legislativo e o Judiciário. Desta vez, o embate é sobre qual Poder tem a última palavra para determinar a cassação de parlamentares.

No parecer, Alexandre de Moraes afirma que a Constituição Federal atribui ao Poder Judiciário a competência para declarar a perda de mandato de parlamentares condenados criminalmente com trânsito em julgado. Segundo o ministro, a Mesa Diretora da Câmara deveria apenas “declarar a perda do mandato, ou seja, editar ato administrativo vinculado”.

Em junho deste ano, o próprio presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tinha apresentado uma visão semelhante a de Moraes, ao dizer que com a conclusão do julgamento de Zambelli, não cabia a ele “colocar isso (a cassação) em votação”. “Já tem a condenação. A decisão judicial tem que ser cumprida”, afirmou Motta, durante evento em 9 de junho.

No dia seguinte, após ser alvo de pressão da base bolsonarista no Congresso, Motta recuou e afirmou que cabia sim à Câmara decidir sobre o tema. “O plenário é quem tem a legitimidade desta Casa e ele decide para onde a Casa vai. Ele é soberano e está acima de cada um de nós”, declarou.

O caso Zambelli só chegou ao plenário seis meses depois, na madrugada dessa quinta-feira (11/12), em uma Câmara esvaziada. A votação terminou com 227 votos favoráveis à cassação, 110 contrários e 10 abstenções, resultado que salvou a parlamentar bolsonarista, já que seriam necessários ao menos 257 votos para derrubar o mandato.

Durante a votação, Motta ainda tentou convencer os deputados presentes a adiarem a análise para o dia seguinte, alegando quórum baixo, mas o pedido foi ignorado e Zambelli foi salva.

A reação do Supremo veio menos de 24 horas depois. Na decisão, Moraes diz que ao votar a cassação, o plenário da Câmara violou o artigo 55, III e VI, da Constituição Federal, que trata das hipóteses de perda de mandato parlamentar.

“Trata-se de ato nulo, por evidente inconstitucionalidade, presentes tanto o desrespeito aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, quanto flagrante desvio de finalidade”, considerou.

A decisão de Moraes reacendeu o embate entre os Poderes após um pequeno recuo do Supremo, já que na última semana o foco da tensão era quem deveria decidir sobre o afastamento de ministros do STF.

Na quarta-feira (10/12), após diálogo com membros do Senado Federal, o ministro Gilmar Mendes suspendeu parcialmente uma liminar — publicada no dia 3 de dezembro — sobre a aplicação da Lei do Impeachment para membros da Corte.

O decano derrubou o trecho da decisão que atribuía exclusivamente à Procuradoria-Geral da República a competência para apresentar denúncia por crimes de responsabilidade contra ministros do STF.

O histórico das crises

  • Congresso e STF estiveram em lados opostos de uma disputa em várias situações nos últimos anos.
  • Ainda no final de 2022 (durante o governo Bolsonaro), o STF decidiu que o Orçamento Secreto era inconstitucional. A posição contrária às emendas sem rastreabilidade foi a senha para que os dois Poderes se rivalizassem.
  • Já no Governo Lula, Congresso e STF tiveram posições divergentes sobre temas como Marco Temporal das terras indígenas, descriminalização da maconha, aborto e desoneração da folha de pagamento.
  • O Congresso se movimentou para pautar propostas para limitar as atribuições e poderes do STF, chegando a cogitar a possibilidade de impeachment de ministros.
  • Um dos capítulos mais recentes de desgaste foi a decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que limitava à Procuradoria-Geral da República (PGR) o direito de apresentar pedidos de impeachment contra ministros do STF. O fato gerou reações no Congresso. Posteriormente, Mendes voltou atrás em parte da decisão.
  • O caso em questão, no momento, tem a ver com a decisão da Câmara, na madrugada de 11/12, em manter o mandato da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).
  • Em maio deste ano, a Primeira Turma do STF condenou a parlamentar a 10 anos de prisão pela invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Também foi decretada a perda do mandato de Zambelli e que a Mesa da Câmara declarasse formalmente a vacância do cargo, segundo estabelece a Constituição Federal.
  • Com a posição contrária do Plenário da Câmara, o ministro Alexandre de Moraes reafirmou a perda do mandato e deu 48 horas para Hugo Motta cumprir a determinação e dar posse ao suplente.

Parlamentares partem para o ataque contra Moraes

Até o momento, o presidente Hugo Motta não se manifestou sobre a decisão de Moraes. Já a bancada bolsonarista inundou as redes sociais com acusações contra o ministro do Supremo.

O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), chamou Moraes de “ditador psicopata” após a decisão sobre Zambelli.

“O ditador psicopata que hoje manda nos três Poderes voltou a atacar. Quando um ministro anula a decisão soberana da Câmara e derruba o voto popular, isso deixa de ser Justiça e vira abuso absoluto de poder”, escreveu Sóstenes.

O deputado afirmou que houve “usurpação institucional” e que o Supremo teria ignorado a deliberação do Legislativo. Segundo ele, a determinação de Moraes fere a democracia e desconsidera a vontade do eleitorado. “O Brasil viu um ato de usurpação institucional: um homem passando por cima do Parlamento e da vontade do povo”, disse.

deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos críticos mais vocais a Moraes no Congresso, também comentou a decisão e alegou que o país vive uma “ditadura”. “E tem gente achando que ainda dá para fazer algo contra a ditadura dentro da ‘normalidade’. Fecha o Congresso logo, não tem o porque estar aberto”, escreveu o parlamentar na rede social X.

Até mesmo a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL-DF), cotada para disputar uma vaga no Senado em 2026, usou as redes sociais para criticar o ministro do STF. “É… Congresso. Infelizmente, é triste ver vocês tão enfraquecidos e de joelhos diante de tanta arbitrariedade”, escreveu.

Base governista comemora

Logo após a Câmara preservar o mandato de Zambelli, o Partido dos Trabalhadores anunciou que entraria com mandado de segurança no STF para suspender a decisão do plenário.

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, argumentou que a Câmara não deveria nem votar a cassação, apenas cumprir a determinação da Justiça.

“A decisão do Supremo é clara. Na condenação da Zambelli, o ministro Moraes fala, em cima do artigo 55 da Constituição, que a mesa da Câmara tem que fazer o afastamento. Motta criou um problema para si próprio. Como não cassa (o mandato de Zambelli) se tem decisão judicial para caçar?”, argumentou.

Após a decisão de Moraes, Lindbergh usou as redes sociais para comemorar o ato. “O ministro reconhece que a condenação definitiva de Zambelli de 10 anos de reclusão em regime inicial fechado torna juridicamente impossível o exercício do mandato, impondo a perda automática”, escreveu o deputado.

“Moraes restabeleceu a autoridade da Corte e determinou o cumprimento imediato da decisão transitada em julgado, ressaltando que o plenário da Câmara não pode rever, relativizar ou descumprir efeito automático decorrente de condenação criminal”, afirmou Lindbergh.

Motta tem 48 horas para efetivar posse do suplente de Zambelli

Na mesma decisão, Moraes determinou que o presidente da Câmara, Hugo Motta, efetive a posse do suplente de Zambelli em, no máximo, 48 horas. Ele solicitou, ainda, que o presidente da Primeira Turma, ministro Flávio Dino, agendasse sessão virtual para esta sexta-feira (12/12), das 11h às 18h, para referendo da decisão.

Zambelli está detida em um presídio na Itália, onde aguarda o processo de extradição e, por já ter duas condenações que somam 15 anos e 3 meses de prisão, está impedida de disputar eleições.

Em maio, a Primeira Turma do STF condenou, por unanimidade, Carla Zambelli e o hacker Walter Delgatti Neto pela invasão de sistemas e pela adulteração de documentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Os dois foram condenados na Ação Penal (AP) 2428 pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica. A pena fixada para Zambelli foi de 10 anos de prisão em regime inicial fechado e multa no valor de dois mil salários mínimos. Já Delgatti teve a pena estabelecida em oito anos e três meses de prisão, também em regime inicial fechado, e multa de 480 salários-mínimos.

Eles terão ainda que pagar uma indenização de R$ 2 milhões por danos materiais e morais coletivos.

Zambelli também recebeu condenação por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal por perseguir, armada, um apoiador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na véspera do segundo turno de 2022.

Fonte: metropoles.com/Pedro Grigori, Maria Laura Giuliani

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *