Três anos após Lula x Bolsonaro, pesquisadores divergem sobre futuro da polarização

Combinação de fotos de Lula e Bolsonaro: polarização calcificada/Foto: Adriano Machado e Ueslei Marcelino/Reuters

Para cientista política, disputa de 2022 consolidou ‘vínculo afetivo’ na política; pesquisas mostram fortalecimento de outros temas no debate

eleição presidencial mais acirrada da história democrática brasileira completou três anos nesta semana. Em 30 de outubro de 2022, as urnas deram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) 50,90% dos votos contra Jair Bolsonaro (PL), que deixaria o cargo ao final do mandato.

Como pesquisadores e cientistas políticos definiram posteriormente, a distância de pouco mais de dois milhões de eleitores entre projetos antagônicos revelou uma sociedade profundamente polarizada e com espaço restrito para a conciliação.

O momento de Lula e Bolsonaro

No marco de três anos dessa disputa e às vésperas de um novo pleito, Lula atravessa seu momento político mais positivo do mandato. Meses depois de atingir seu maior patamar de rejeição (em fevereiro, 24% dos brasileiros aprovavam o governo, segundo o Datafolha), o petista explora os índices econômicos do país e as tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para consolidar um discurso de soberania nacional que encontrou adesão popular. Recentemente, anunciou que concorrerá à reeleição.

Já Bolsonaro segue inelegível e foi condenado a 27 anos e três meses de reclusão pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por uma tentativa de golpe de Estado. Em prisão domiciliar desde agosto, o ex-presidente ainda hesita em indicar um sucessor e vê aberto um flanco na disputa por seu espólio eleitoral que inclui o próprio filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), e governadores como Tarcísio de Freitas (Republicanos, de São Paulo), Romeu Zema (Novo, de Minas Gerais) e Ronaldo Caiado (União Brasil, de Goiás).

Com os direitos políticos cassados, Bolsonaro chega a ter mais de 40% das intenções de voto para 2026, enquanto Lula lidera nos confrontos apresentados aos eleitores sem que outros projetos ameacem mais seu plano de reeleição do que o próprio antecessor, hoje fora do páreo. Para discutir o momento e as perspectivas dessa polarização, a IstoÉ buscou as análises de uma cientista política e de dois pesquisadores do que mobiliza o eleitorado.

O futuro da polarização

Luciana Santana, professora de ciência política e coordenadora do curso de ciências sociais da Ufal (Universidade Federal de Alagoas)

O fenômeno Lula vesus Bolsonaro provocou uma transferência da polarização, que sempre existiu em termos partidários — PT versus PSDB –, para o vínculo afetivo, que não é baseado na preferência da população por programas ou projetos, mas por pessoas.

No livro “Biografia do Abismo” (HarperCollins Brasil, 2023), os pesquisadores Felipe Nunes e Thomas Traumann conceituaram essa mudança que vem ocorrendo nos últimos anos e se consolidou nas eleições de 2022 como uma calcificação da polarização.

Desde então, a mobilização dos vínculos pessoal e emocional pela política tem aumentado consideravelmente e, uma vez que os partidos de direita são muito mais hábeis para fazer essa exploração, não tende a se reduzir [em 2026] mesmo com Bolsonaro ausente da disputa eleitoral.

Bolsonaristas

Apoiadores de Bolsonaro na avenida Paulista: para Luciana Santana, demonstração de ‘vínculo afetivo’ com a política

Renato Dorgan, presidente do instituto de pesquisas Travessia

Nunca concordei com a existência de uma calcificação da polarização. O que houve no Brasil foi a chegada “para ficar” de uma direita disposta à ruptura institucional a um patamar relevante na política. Desde a derrota de Bolsonaro nas urnas, o índice de rejeição do ex-presidente e de todos os que têm seu sobrenome se elevou muito, o que respinga em outras lideranças desse campo. Mas o brasileiro é conservador e a tendência é de que em 2026 ainda haja grande sucesso dessa direita, em especial nas eleições para Câmara e Senado.

A polarização entre Lula e Bolsonaro não se encerrou. Acontece que um deles está inelegível e o outro tem prazo de validade para a trajetória política no patamar atual — 2030, caso a tentativa de reeleição seja bem-sucedida. Na próxima década, a tendência é de um país distante dessa polarização e com espaço reduzido para lideranças da extrema-direita e da extrema-esquerda, sobretudo em votações majoritárias.

A campanha de 2026 deve ter caráter plebiscitário, com aprovação e desaprovação de Lula em disputa, e não de polarização, pela ausência da família Bolsonaro como cabeça de chapa. Neste cenário, o eleitor que não se identifica com nenhum dos polos se torna ainda mais decisivo; por consequência, atrai-lo torna-se uma prioridade para as campanhas e, naturalmente, as disputas políticas ficam menos radicalizadas e mais voltadas ao centro.

Uma vista de drone mostra o ato neste domingo (21), em São Paulo, contra a PEC 3/2021 ('PEC da Blindagem'), aprovada esta semana no Congresso, e contra o Projeto de Lei da Anistia, que altera as penas para condenados por planejar um golpe e que tem votação prevista para a próxima semana.

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Yuri Sanches, diretor de análise política da AtlasIntel

Ao mesmo tempo em que se registra um cansaço da polarização, as pesquisas mostram divisões muito claras entre os brasileiros na maioria dos temas. É muito raro identificar pautas de consenso entre eleitores que optaram por Lula e por Bolsonaro na última eleição; isso acontece porque essa dualidade é fruto de uma politização acelerada e superficial. Em vez de um processo contínuo de aprofundamento, a sociedade se politizou sem se identificar claramente em termos ideológicos, mas adotando o pertencimento a grupos — esquerda ou direita, progressista ou conservador — como parte de sua identidade, o que resulta em intolerância e ruptura de relações familiares, sociais e econômicas.

A ausência de Bolsonaro da disputa eleitoral deixa um dos polos sem seu líder mais popular e abaladado por episódios como o 8 de janeiro e a tentativa de golpe de Estado, pela qual o ex-presidente acabou condenado. Mas o bolsonarismo foi prolífico em gerar lideranças pelo Brasil e, uma vez reorganizado, poderá voltar às atenções ao acirramento da disputa com Lula, a esquerda e o PT.

Lula, por sua vez, transita entre a abordagem presidencial, que adotou especialmente no início do mandato — com o lema “União e Reconstrução”, voltado ao distensionamento das relações –, e a política, que parte da necessidade de fazer acenos à própria base de eleitores. Esta segunda gera atritos com opositores e reforça o entendimento de que uma polarização com dois líderes populares de campos opostos pode beneficiá-lo eleitoralmente, já que não há ameaça a seu papel como líder de um desses polos.

Fonte: istoe.com.br/Leonardo Rodrigues

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