O Contraste entre o Discurso de Solidez Fiscal e a Realidade das Contas de Mato Grosso do Sul

*Por Paulo M. Esselin

No início de agosto de 2025, o governador Eduardo Riedel surpreendeu a população ao anunciar um severo plano de cortes de gastos para preservar o equilíbrio fiscal de Mato Grosso do Sul. Até então, o discurso do chefe do Executivo estadual era marcado por extremo otimismo. Em maio do mesmo ano, o site oficial do governo comemorava o fato de o Estado ter sido classificado como o primeiro no ranking de crescimento econômico do país, com destaque nacional para uma suposta “gestão focada no progresso sem deixar ninguém para trás”, cuja marca registrada seria a solidez fiscal.

Três meses depois, o cenário mudou drasticamente. Diante das câmeras, Riedel reconheceu tempos de austeridade e publicou, em 6 de agosto, decreto que determinava cortes de despesas. O governador atribuiu as dificuldades à queda da arrecadação, em especial à redução da importação de gás boliviano, que impactaria a estabilidade financeira estadual. A justificativa, porém, não convence especialistas e críticos da política fiscal adotada.

O peso da renúncia fiscal

A explicação para a crise pode estar em outra frente: “a renúncia fiscal bilionária que o governo estadual mantém para beneficiar setores específicos, sobretudo o agronegócio”. Em estudo inédito, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (FENAFISCO) revelou que, em 2025, Mato Grosso do Sul deverá abrir mão de R$ 6,172 bilhões em ICMS. Só em 2023, o valor superou R$ 5 bilhões. Nos quatro anos de mandato de Riedel, as isenções fiscais concedidas majoritariamente ao setor agropecuário devem ultrapassar R$ 20 bilhões.

O problema se reflete diretamente nas contas públicas. Segundo a Firjan – Federação das Indústrias do estado do Rio de Janeiro, o Estado fechou 2024 com déficit fiscal de cerca de R$ 500 milhões. Ou seja, “enquanto a propaganda oficial vende uma imagem de prosperidade, os cofres estaduais se encontram em situação frágil.”

Os números revelam ainda que, apenas em 2023, o setor agropecuário concentrou 55,81% de todas as isenções – o equivalente a R$ 3,1 bilhões. “Em um Estado cuja economia é fortemente voltada à produção de commodities para exportação, a política fiscal funciona, na prática, como subsídio aos grandes produtores, deixando descobertas áreas essenciais como saúde, educação e segurança pública que são preceitos constitucionais relegados por governos neo-liberais e liberais”.

Promessa cumprida aos aliados

O discurso oficial sobre equilíbrio fiscal fica ainda mais frágil quando se observa a sequência de decisões políticas do governo. Em fevereiro de 2025, diante da elite do agronegócio na sede da FAMASUL (Federação da Agricultura e Pecuária de MS), Riedel cumpriu uma promessa de campanha e assinou decreto que revogou a lei da paridade das exportações de soja e milho. A medida, segundo ele, não traria perdas significativas de arrecadação. A avaliação foi recebida com descrédito por economistas e analistas políticos, que a classificaram como mais um gesto de alinhamento com os interesses do setor agroexportador, mesmo diante da crise fiscal.

Enquanto amplia “benesses” ao agronegócio, o governador descartou, em março, a possibilidade de reduzir ou zerar a alíquota de ICMS sobre produtos da cesta básica, medida que teria efeito direto sobre o custo de vida das famílias, especialmente as de baixa renda. Alegou que uma mudança dessa natureza seria “casuística” e poderia gerar impactos negativos. “O contraste é evidente: para proteger os cofres públicos, nega-se um alívio ao bolso da população; para garantir privilégios aos grandes produtores, mantém-se aberta a torneira da renúncia fiscal. Algo nefasto e vergonhoso! Próprio de uma elite que domina esse Estado a décadas”. 

Crescimento econômico: mito ou realidade?

O governo estadual insiste em vincular o crescimento de 4,2% do PIB Sul-mato-grossense em 2025 ao “planejamento equilibrado” e à “sustentabilidade no agronegócio”. Entretanto, analistas apontam que o dinamismo econômico não decorre de um modelo eficiente de gestão pública, mas da própria lógica de concentração de renda e do ciclo de exportação de commodities.

O ufanismo governamental contrasta com os números do déficit fiscal e com o fato de que boa parte do crescimento se dá em setores que pouco dialogam com a realidade da população. “Enquanto se amplia a riqueza exportada, crescem as desigualdades sociais internas, aprofundadas pelo modelo de renúncia fiscal seletiva promovida por um governo descompromissado com a sociedade. Em especial com os menos favorecidos.”

Uma decisão de classe

A opção política do governo estadual é clara. Como ex-presidente da FAMASUL, Riedel governa em sintonia direta com os interesses do agronegócio. Em vez de diversificar a política fiscal e ampliar a inclusão social, mantém privilégios históricos de um setor que já conta com robusto apoio estatal desde a década de 1970.

O resultado é um Estado financeiramente fragilizado, com déficits crescentes e incapaz de ampliar políticas públicas em áreas sensíveis. “O modelo de concentração de renda, mais uma vez, se consolida: recursos públicos são destinados a grupos já consolidados, enquanto a maioria da população fica à margem. Não tendo garantido sequer seus direitos Constitucionais.”

O contraste entre o discurso de equilíbrio fiscal e a realidade das contas públicas evidencia a fragilidade de um modelo que privilegia poucos e penaliza muitos. Como bem disse o sociólogo e ex-governador Cláudio Lembo, falecido recentemente: “Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa.” Afirmativa que representa muito bem os dois últimos governos estaduais do MS.

*Paulo M. Esselin, professor titular aposentado da UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem necessariamente o posicionamento do jornal.

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